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Homens Possíveis

“Sentir nos mantém com vida”. “Todo ser humano quer se sentir importante”. “O amor é maior do que a cadeia”. Essas frases estampam as paredes do Centro de Socioeducação São José dos Pinhais, no Paraná, desde que o projeto Eu Vejo Flores passou por lá.

Desenvolvido pelo Instituto Aurora com apoio do Fundo Fale Sem Medo, o projeto contempla diversas ações, com públicos diferentes – rodas de conversa e oficinas de fotografia com mulheres encarceradas, produção de um documentário para sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre os ciclos de violência em que tais mulheres se encontram, entre outras.

Um dos eixos do projeto é o chamado “Homens Possíveis”, que engloba atividades com adolescentes homens que cumprem medida socioeducativa no Centro de Socioeducação São José dos Pinhais e no o Centro de Socioeducação de Piraquara – ambas cidades vizinhas a Curitiba, no Paraná.

São realizadas rodas de conversa sobre masculinidade e um momento de prática de artes – que dessa vez foi uma oficina de grafite para representar nos muros os temas debatidos nas rodas. Em Piraquara as oficinas começam em setembro, mas a experiência bem sucedida em São José dos Pinhais mostra que estão no caminho certo.

Confira a entrevista inspiradora que o Fundo ELAS fez com Michele Bravos, coordenadora do projeto:

Como foram selecionados e mobilizados os jovens que participaram das oficinas?

Trinta meninos foram selecionados pelo próprio centro para participar das oficinas – que não foram obrigatórias, foi dada a liberdade de participação para quem quisesse e todos toparam. A atração não foi pelo tema, a maioria não veio interessada em discutir masculinidades, mas pelo espaço de diálogo, uma necessidade que a gente percebe em todas as unidades socioeducativas: de ser escutado, ver gente nova, se relacionar, interagir.

Que retorno vocês vêm tendo dos participantes?

Nas rodas, a gente percebeu um despertar dessa desconstrução de uma ideia padronizada de masculinidade. Eles percebem o quanto o fato de eles terem crescido ouvindo que homem não chora, por exemplo, impactou e impacta a vida deles. Vão se dando conta das prisões emocionais em que eles se encontram, e de quanto essa repressão de sentimento acaba se traduzindo em violência. Esse é um ponto que é importante chegar, e as rodas de conversa permite que eles reflitam sobre isso. A escolha pelo grafite como linguagem artística e pedagógica também foi um acerto. Optamos pelo grafite por ser algo próximo do contexto desses jovens, e a oficina foi coordenada por dois homens que a princípio reforçariam um estereótipo de “machão” também reconhecido por eles: homens fisicamente fortes, de periferia, que atuam na rua. No entanto com a atividade rompem com esse estereótipo: a proposta foi que criassem rostos femininos permeados por palavras que tinham aparecido nas rodas e simbolizassem esse olhar que devemos ter para as mulheres, com respeito e visando a garantia de seus direitos. Funcionou bem porque a arte permite um processo mais fluido, acessa os meninos com mais facilidade – a atividade teve adesão muito grande e fez sentido para eles.

Nosso objetivo o tempo todo é acessar o coração, sensibilizar.

Além do trabalho realizado com os jovens nos Centros de Socioeducação, o projeto inclui ações com os servidores e servidoras que atuam nesses centros. Por que vocês também realizam ações com os servidores?

Com servidores – homens e mulheres – trabalhamos tanto a questão de gênero quanto a inteligência emocional, para que se entendam como seres humanos que precisam estar sensíveis a essas temáticas para poderem lidar com esse jovens. Afinal, não adianta trabalhar a ruptura da violência com os jovens sem trabalhar com os agentes que lidam diariamente com eles. O espaço da socioeducação é marcado por um discurso muito misógino, por isso a proposta de levar um diálogo sobre a ressignificação do masculino para esse espaço é bastante revolucionária – e exige a desconstrução de uma lógica já instaurada sobre o que é ser homem, sobre a força, o que é ser forte, o que é ser corajoso.

Entre os servidores, ouvimos relatos das mulheres criticando machismos dos colegas, contando que se sentiam desrespeitadas, que não tinham suas opiniões consideradas. os meninos estão ali e também vão percebendo isso, isso não os apoia no rompimento dos ciclos de violência.

O projeto Eu Vejo Flores mostra a importância de engajar homens jovens pelo fim da violência contra as mulheres. Poderia comentar essa escolha de vocês?

Quando a gente fala de violência contra a mulher, a gente tem dados que nos mostram que os homens ainda são os maiores agressores, ainda ocupam esse papel. Diante disso, a luta não pode ser apenas no sentido de fortalecimento das mulheres, precisa ser o conjunto: tanto fortalecendo mulheres para que se sintam com poder de escolher, quanto com os homens para que possam transformar seus comportamentos, a forma como enxergam mulheres e suas relações com mulheres. Só assim é possível nos conduzir para uma cultura de fato diferente.

Acredito que trabalhar com homens também é importante em especial pra desconstruir essa lógica da identidade masculina associada à violência – de que pra firmar essa identidade masculina precisa se expressar de forma violenta. Precisamos apresentar a eles uma nova ótica, para que percebam que eles podem ser mais livres em sua expressão, podem ter expressões mais livres desse padrão machista.

 

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